O Farol da Menina Lua
Nas dobras de uma costa onde o mar beija a terra com um murmúrio eterno, existia uma aldeia de pescadores pintada a branco e azul. Ali, as redes secavam ao sol como teias de gigantes adormecidos e o cheiro a maresia dançava no ar. Era nesse lugar de contos e marés que vivia Lua, uma menina de dez anos cujos olhos guardavam a profundidade do oceano, mas cuja voz raramente se aventurava para além de um sussurro.
Lua morava com o seu avô, um velho faroleiro de mãos enrugadas e coração sábio. Ele era o guardador do Farol Antigo, uma torre de pedra que se erguia no ponto mais alto da falésia, como um dedo apontado às estrelas. Todas as noites, a sua luz giratória varria a escuridão, um abraço luminoso para os homens que enfrentavam as ondas em busca do sustento.

O avô contava a Lua histórias de tempos idos, de quando o farol não precisava de óleo nem de eletricidade. “Antigamente”, dizia ele com a voz rouca como as conchas, “este farol acendia-se com a coragem de uma canção. Uma melodia pura, vinda de um coração sem medo, era o suficiente para fazer a sua luz brilhar mais forte que qualquer tempestade.” Lua ouvia, fascinada, imaginando essa magia antiga, sentindo-se pequena e silenciosa demais para tal proeza.
Num final de tarde de outono, o céu começou a vestir-se de um cinzento pesado e zangado. O vento, antes uma brisa brincalhona, tornou-se um uivo assustador que açoitava as janelas e levantava ondas que se desfaziam em monstros de espuma contra as rochas. Uma tempestade como não se via há muitos anos desabou sobre a aldeia. Os barcos, que tinham saído na calmaria da manhã, estavam agora à mercê da fúria do mar.

No meio do caos, o pior aconteceu. Um relâmpago rasgou o céu, seguido de um trovão que fez tremer a terra. E de repente, a luz do farol vacilou e apagou-se. A escuridão tomou conta da noite, uma escuridão densa e assustadora que engoliu a esperança.
O avô de Lua correu para a torre, mas o mecanismo antigo, danificado pela força do raio, não respondia. O seu rosto, habitualmente sereno, estava agora marcado pela aflição. “Os homens no mar… estão perdidos sem a nossa luz”, murmurou ele, o desespero a pesar-lhe na voz.
O coração de Lua batia descontrolado. O medo era uma mão fria que lhe apertava a garganta. Ela olhou para o mar escuro, imaginando os rostos dos pescadores, pais e filhos dos seus amigos. Eram a sua família, a sua aldeia. Uma onda de algo novo, mais forte que o medo, começou a subir dentro dela. Não era ausência de medo, mas sim uma vontade imensa de proteger quem amava.
Lembrou-se das histórias do avô. “Uma canção pura, de um coração sem medo…” O seu coração estava cheio de medo, mas também de amor. E talvez o amor, quando é grande, se pareça muito com a coragem.

De pés descalços, subiu as escadas em caracol do farol, o vento a assobiar pelas frestas. Parou no topo, na sala da lanterna, ao lado do seu avô. Respirou fundo, fechou os olhos e, pela primeira vez na sua vida, deixou a sua voz sair. Não como um sussurro, mas como uma melodia.
Começou a cantar uma canção de embalar que o avô lhe cantava, uma melodia simples e antiga que falava de estrelas-guia e portos seguros. A sua voz, tímida e trémula no início, foi ganhando força a cada nota. Era uma voz clara, pura, que parecia carregar toda a luz que faltava naquela noite.

E então, a magia aconteceu. Do cristal gigante no centro da sala, uma pequena faísca de luz nasceu. À medida que Lua cantava, a faísca cresceu, transformando-se numa chama dourada, depois num brilho intenso que pulsava ao ritmo da canção. A luz explodiu para fora, cortando a tempestade com um feixe poderoso e quente, mais brilhante do que alguma vez fora.
A luz girou, varrendo o mar revolto, e lá longe, um a um, os barcos começaram a encontrar o seu caminho de volta. A voz de Lua não vacilou até o último barco estar seguro no porto. Quando terminou, o silêncio na torre era profundo, apenas quebrado pelo som mais calmo da chuva.
O avô abraçou-a, as lágrimas a misturarem-se com a chuva no seu rosto. “Tu és a verdadeira luz deste farol, minha pequena Lua”, disse ele. Naquela noite, Lua não só ajudou a salvar os pescadores; ela encontrou a sua própria voz. Descobriu que a coragem não é não ter medo, mas sim cantar a nossa canção, mesmo quando a voz nos treme.

Moral da história
A nossa verdadeira coragem não está na ausência de medo, mas na força que encontramos para agir e usar a nossa voz, por mais pequena que pareça, para proteger quem amamos.
Perguntas para conversar em família
1.Porque é que a Lua tinha medo de usar a sua voz no início?
2.O que te dá coragem quando sentes medo?
3.Como é que uma coisa pequena, como uma canção, conseguiu fazer uma coisa tão grande como acender um farol?
Autor: João do Tempo